O que fala mais alto: a ganância, a lealdade ou uma terceira opção?
Mais uma vez, encontrei minha porta de entrada para uma franquia que sempre tive curiosidade de conhecer. Assim como aconteceu com minha experiência em Like a Dragon: Pirate Yakuza, surgiu a chance de me transportar para a antiga Sicília e mergulhar nos conflitos de interesse em Mafia: The Old Country. O jogo deixa claro que fazer um pacto com uma família mafiosa é muito mais perigoso do que parece — para ambos os lados.
Mafia: The Old Country é um capítulo mais distante do que os fãs mais experientes conhecem dos títulos anteriores em termos de enredo. Não sei como será a recepção dos veteranos, mas independentemente do novo jogo estar mais próximo ou distante da essência clássica de Mafia, uma coisa é certa: ele tem uma história promissora para contar, com referências pontuais que vão despertar a nostalgia dos fãs e elementos essenciais para atrair novos jogadores.
O submundo da máfia italiana na Sicília
Pela primeira vez, a franquia se desloca dos Estados Unidos para a Itália, país de origem de muitos dos seus personagens centrais. Mafia: The Old Country é uma prequel cujos eventos se passam ao longo da primeira década dos anos 1900, na cidade fictícia de San Celeste, na Sicília. É, de fato, uma ótima porta de entrada para novos jogadores, já que não é necessário ter conhecimento prévio da série. Tudo o que envolve a trama, como as famílias e os conflitos, é novo, inclusive para os fãs de longa data.
Esqueça Tommy e Vito, nesta nova jornada, entramos no submundo mafioso na pele de Enzo, um jovem cuja vida muda drasticamente de um dia para o outro. Tudo começa com um ato impulsivo de coragem, ao enfrentar um mafioso do clã Spadaro — um nome que se tornará cada vez mais presente ao longo da história. Logo no prólogo, descobrimos o essencial sobre nosso protagonista: um jovem que trabalha nas minas de enxofre controladas pelos Spadaro desde que foi vendido pelo próprio pai.
O sonho de Enzo é escapar dessa prisão e tomar as rédeas do próprio destino. Mas como dizem, é preciso ter cuidado com o que se deseja. Enzo consegue fugir, mas no processo desperta a ira dos Spadaro e, ao mesmo tempo, atrai a proteção da família Torrisi. O jovem passa a ser mais uma peça em meio a disputas de homens poderosos da velha Sicília.
A rivalidade entre os Torrisi e os Spadaro é um dos eixos centrais de Mafia: The Old Country. Os embates diretos e indiretos entre os clãs são constantes ao longo da história, obrigando Enzo a derramar muito sangue em sua tentativa de conquistar a confiança de Don Torrisi e de se agarrar a uma falsa sensação de pertencimento àquele lugar que o “acolheu”.
A partir da ascensão de Enzo no submundo do crime, acompanhamos a origem da máfia italiana. A organização ainda não existe da forma como é apresentada nos jogos anteriores, e The Old Country surge justamente para mostrar esse começo: um pacto de lealdade entre homens que se provam corajosos o suficiente e que se tornam uma “família” movida por troca de interesses, no meio de uma disputa brutal por influência entre clãs rivais.
O jogo também introduz alguns personagens que nos acompanham na jornada. Cesare, sobrinho do Don, é uma figura carismática e presunçosa que sonha em assumir os negócios do tio. Ele e Enzo desenvolvem uma boa amizade, e em certos momentos, cheguei a torcer para que os dois assumissem juntos o comando do clã Torrisi. Outro personagem importante é Luca, braço direito do Don, que acaba se tornando o mentor do protagonista.
Mas como nem tudo são flores, também temos Timo — um homem tão perigoso quanto imprevisível, quase um conselheiro nas sombras do Don. Leo Galante também retorna como um rosto familiar entre os novos personagens. Já conhecido nos jogos anteriores, aqui ele surge mais jovem e em defesa os interesses do avô junto aos Torrisi, tornando-se um dos principais homens de confiança de Enzo.
Enzo tem um longo caminho pela frente, repleto de escolhas difíceis em contexto em que a morte está sempre à espreita. Não temos a liberdade de fazer escolhas pelo protagonista, seu arco já é pré-definido. Mas ele se envolve em tantas situações tão arriscadas que nos faz ter vontade de levá-lo pelo caminho contrário. Entre as escolhas que podem custar um alto preço está o seu envolvimento com Isabela, filha do Don, com quem passa a viver um romance escondido.
É um amor impossível, marcado pelo desejo de liberdade em meio ao banho de sangue da máfia e pela certeza que Isabela tem que seu pai jamais permitiria que escolha seu próprio destino. Enquanto o pobre rapaz persiste de que pode se tornar digno diante dos olhos de Don Torrisi caso conclua as missões a qual é designado e conquiste a confiança do homem. O relacionamento é um dos elementos que fazem Enzo entender a sua posição: não importa quanto suje as mãos pelo alta hierarquia, jamais será um deles, sendo apenas mais uma vida descartável.
Conforme o enredo avança, a narrativa se torna cada vez mais instigante. Sob a perspectiva de Enzo, vamos descobrindo mais sobre as movimentações dos homens poderosos. Traições e armadilhas parecem estar sempre à espreita, a ponto de nos deixar paranoicos, como se, em algum nível, aquilo que estamos presenciando estivesse prestes a desmoronar. E de fato, a narrativa nos concede muitos momentos em que a ganância fala mais alto do que a lealdade, em cenas que deixam qualquer um boquiaberto.
The Old Country sabe trabalhar com a imprevisibilidade, por mais que em certos momentos esperamos que a situação ocorra cedo ou tarde. Vale destacar como a narrativa se torna ainda mais frenética a partir do capítulo 11. A atmosfera fica mais letal, e o jogo nos relembra o tempo todo o que significa estar dentro da máfia com reviravoltas intensas até os minutos finais.
Tudo pode terminar em uma briga de faca
O combate é dividido basicamente em duas categorias: armas de fogo, que abrangem longo e curto alcance, e armas brancas, mais especificamente, facas. E pode acreditar, o jogo faz de tudo para que as batalhas contra chefes sejam com armas brancas no final. Os combates com lâminas não são muito empolgantes, apresentando uma mecânica simples de atacar e esquivar, com algumas oportunidades para interromper ataques. Apesar disso, não achei as combinações muito fluidas; em certos momentos, alguns comandos parecem responder com atraso.
Já o combate com armas de fogo é mais divertido, especialmente porque geralmente ocorre em situações em que é preciso invadir um local sem ser visto e depois usar obstáculos como cobertura enquanto se enfrenta grupos de inimigos atirando de todos os lados. Muito dos trabalhos impostos a Enzo serão relacionados a se infiltrar em locais para capturar um alvo, assassinar sem ser visto ou recuperar um objeto.
A ação com armas de fogo também se estende aos transportes, seja a cavalo ou em automóveis. Enzo pode atirar nos inimigos durante perseguições. E acredite: controlar o carro e mirar ao mesmo tempo não é tarefa fácil.
No geral, dirigir um carro em The Old Country não é nada simples, qualquer mínimo movimento a mais no controle faz veículo sair da estrada ou fazer um giro desproporcional. Como o uso do carro é obrigatório em muitas perseguições, controlá-lo em alta velocidade acaba se tornando uma experiência estressante. Particularmente, dirigir foi uma das mecânicas que menos me agradou, justamente por essa falta de precisão na direção. Sempre que possível, optei pelos cavalos para os deslocamentos.
As missões escalam de dificuldade conforme o protagonista se torna um dos principais homens dos Torrisi. Ao mesmo tempo, levam Enzo a um dilema de se o garoto das minas que apenas sonhava com a liberdade queria se tornar esse tipo de criminoso, principalmente quando elementos ao seu redor começam a mostrá-lo como a máfia cobra um preço muito alto.
O jogo se desenvolve de forma relativamente lenta, mesmo sendo curto, contando com um prólogo e 14 capítulos, pode ser finalizado entre 13 a 15 horas. Até mais ou menos o quinto capítulo, várias mecânicas ainda estão sendo apresentadas, algo que poderia acontecer de forma mais ágil. Além disso, certos acontecimentos não pareciam bem distribuídos pelos capítulos, com situações que parecem muito soltas na história, por exemplo, a corrida de carros, que recebeu um capítulo inteiro.
Quase um filme, mas tem suas limitações
O jogo tem uma ambientação extremamente marcante, desde a dublagem até as cenas cinematográficas, que parecem ter saído diretamente de um filme de máfia italiana. Inclusive, há opção de idioma siciliano, o que aumenta ainda mais a imersão. Embora o jogo tenha legendas em português, o idioma, infelizmente, não está disponível para dublagem.
Para quem optar pelo inglês, a experiência também não decepciona, os personagens usam palavras e expressões em italiano com frequência, e o sotaque se encaixa perfeitamente no contexto. Destaque para Don Torrisi, cuja dublagem rouca e arrastada, combina com sua aura amedrontadora e imponente, uma ótima representação do imaginário clássico de um mafioso italiano.
O jogo é tenso e, é justamente isso que o torna tão envolvente. A imprevisibilidade mantém o jogador alerta o tempo todo. Em um momento é preciso atirar, em outro se esgueirar pelas sombras para evitar ser visto, atacar um inimigo pelas costas, tudo para concluir as missões. Houve sequências em que meus olhos chegaram a arder de tanto esforço para não piscar diante da tensão, com medo de perder algo importante.
Visualmente, Mafia: The Old Country impressiona, mas sofre com algumas falhas de fluidez. Os NPCs, por exemplo, são extremamente rígidos, se você esbarrar neles, muitos simplesmente travam, como se fossem estátuas. Em outro momento, notei que as patas de um cavalo inimigo não se moviam durante uma perseguição, mesmo com o animal claramente em movimento. O jogo brilha nas cenas cinematográficas, mas durante a gameplay esses detalhes quebram um pouco da imersão. Não prejudicam diretamente a jogabilidade, mas são falhas visuais que incomodam e demonstram certa falta de polimento.
Diferente dos jogos anteriores, o novo título não adota um formato de mundo aberto. Embora os jogadores tenham acesso a um grande mapa da Sicília, a maior parte dele é apenas decorativa — acredite, muito pouco desse espaço é usado ao longo da campanha. E nem pense em sair explorando durante uma missão: o jogo simplesmente pune esse tipo de desvio.
Há momentos breves de liberdade, com interações pontuais com NPCs, algumas rotas alternativas desbloqueadas e itens colecionáveis espalhados pelo cenário, mas não há qualquer autonomia para explorá-los. Os desenvolvedores confirmaram que uma atualização futura liberá-la essa possibilidade, mas não faz sentido essa opção não ter acompanhado o lançamento.
Querendo ou não, a história nos prende à sua linearidade. Embora o jogo nos obrigue a caminhar de um ponto a outro, acabamos deixando de lado locais importantes, como a oficina de Pasquale, onde é possível melhorar o terço que concede buffs ao protagonista, ou comprar novas armas. No entanto, ao longo da campanha, percebi que essas melhorias não fizeram tanta diferença quanto eu imaginava.
Posso adiantar que o final é agridoce e certamente vai dividir opiniões. Nos instantes finais, temos uma grande quebra de expectativa, uma escolha ousada, mas que também reforça a ideia de que é impossível se envolver com a máfia sem pagar um preço. Admito que não consegui esconder minha expressão de choque diante da cena em questão, por acreditar que o jogo assumiria um caminho diferente e, de certa forma, cômodo. Mas como mencionei antes, The Old Country sabe bem como trabalhar com a imprevisibilidade.
No geral, The Old Country tem tudo o que precisa para atrair novos jogadores e, ao mesmo tempo, satisfazer os veteranos da franquia, inclusive com referências pontuais aos games anteriores. E se as disputas entre Spadaro e Torrisi já eram intensas quando o conceito de “máfia” ainda estava nos seus primeiros passos, mal posso esperar para ver do que Tommy e Vito são capazes.
O retorno às origens foi uma ótima decisão para renovar o fôlego da série e abre novas possibilidades para futuros jogos pelas as pontas soltas deixadas em The Old Contry, tanto na Sicília quanto em Empire Bay.